terça-feira, 20 de dezembro de 2011

"Lei Rouanet", que substituiu a "Lei Sarney" de incentivo à cultura, se aproxima do fim aos 20 anos

Nesta sexta-feira (23), a Lei Rouanet completa 20 anos prestes a ser revogada. Em duas décadas de elogios e críticas, a Lei Federal de Incentivo à Cultura (Lei 8.313/91) captou R$ 9,129 bilhões, via abatimento de até 6% do Imposto de Renda. Será substituída pelo projeto do governo que cria o Procultura (PL 6.722/10) e já foi aprovado na Comissão de Educação e Cultura da Câmara dos Deputados. O objetivo do Procultura é promover mais equilíbrio, pois o sistema atual, em que empresas escolhem as produções que patrocinam, é acusado de privilegiar o eixo Rio-São Paulo e artistas que têm maior projeção. Nesses 20 anos, o Sudeste ficou com 80% da verba. Sul, Nordeste, Centro-Oeste e Norte, com 10%, 6%, 3% e 1%.
- Realmente é preciso que a lei passe por uma revisão, mas isso não quer dizer que ela não funcione - alega o secretário de Fomento e Incentivo do Ministério da Cultura, Henilton Menezes.
O Procultura deve destinar 20% da renúncia fiscal ao Fundo Nacional de Cultura, para que o governo decida onde, como e quando investi-lo. Uma das ideias é que cada estado receba pelo menos 2% do fundo. A expectativa é que o Procultura entre em vigor não antes de 2013, já que mudanças na arrecadação de impostos só podem passar a valer no ano fiscal subsequente.
Menezes considera injustas as críticas ao patrocínio para artistas famosos e ­argumenta que a Lei Rouanet foi criada para todos. Ele acrescenta que o cenário cultural hoje é completamente diferente de 20 anos atrás e ressalta o resgate de patrimônios como o Theatro Municipal do Rio de Janeiro.

Dois perfis

O economista Bruno Amaro, sócio-diretor da Mona Estratégia Cultural, enxerga dois perfis de patrocinadores: os que preferem o marketing imediato porque têm o grande público como cliente (bancos, operadoras de celular, lojas de varejo) e os que pensam mais em imagem institucional, porque trabalham com infraestrutura (construtoras, montadoras de automóveis).
- O mercado ainda está imaturo para mudar. Hoje a Lei Rouanet financia metade dos projetos culturais no país - acredita Amaro, que intermedeia a relação entre produtores e ­patrocinadores.
A Meritor, empresa do setor de autopeças, prioriza a responsabilidade social quando usa a Lei Rouanet.
- A lei permite conciliar exposição da marca e contribuição com as comunidades onde a gente atua - explica o gerente de Marketing, Luis Maurício Marques.
Este ano, a Meritor patrocinou o Núcleo Sebastian, que atende 80 crianças com aulas de dança em Osasco (SP) e eventos de grande público, como o filme O homem do futuro, com Wagner Moura e Alinne Moraes.
- A ideia não é obter retorno financeiro, tem que acreditar que o investimento social é interessante para todos - afirma Marques.

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Você Sabia?

Que a “Lei Sarney” foi pioneira nos incentivos culturais?

A Lei  nº 7.505, de 2 de julho de 1986, idealizada, elaborada e promulgada pelo então presidente da República, José Sarney, foi a primeira legislação federal de incentivo fiscal à produção cultural. Batizada como “Lei Sarney”, complementou processo de valorização da cultura brasileira, deflagrado com a criação do Ministério da Cultura também por Sarney. Em seu primeiro mês de governo, em março de 1985. Por causa da iniciativa do governo Sarney, a Constituição Federal de 1988 definiu a proteção e do acesso à cultura no Brasil como um compromisso de Estado. A redação de seu artigo 215 estipula que o Estado garantirá “a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional”, e dará apoio “a valorização e a difusão das manifestações culturais”.

Permanência e Força

Independente das alterações pontuais ocorridas em três décadas, os recursos captados  por legislação de incentivo à produção cultural já ultrapassaram a soma de R$ 8 bilhões, em valores nominais. Essa quantia propiciou a realização de mais de 30 mil projetos culturais, abrangendo as artes cênicas, integradas e visuais, além do audiovisual, música e patrimônio cultural. O crescimento, ao longo dos anos, da utilização desse tipo de financiamento para a produção cultural implicou, em 2009, por exemplo, na captação de R$ 1 bi. Para se ter uma idéia da ascensão desse mecanismo de captação de recursos, na década de 90 a média/ano de interessados (pessoas física e jurídica) em investir em produções culturais apresentava um quantitativo próximo ao que se fechou no ano de 1999 - 4.781 incentivadores. Os últimos números do Ministério da Cultura, que datam de  2007, indicam um salto para 15.828.

14 anos de luta

A lei Sarney, promulgada pouco mais de um ano depois da redemocratização, na Nova República, foi gestada durante 14 anos. Sua origem está no projeto de lei n° 54, apresentado por Sarney em setembro de 1972, no seu primeiro mandato como senador. Propunha “deduções do imposto de renda das pessoas jurídicas e físicas para fins culturais”. O projeto acabou arquivado, assim como aconteceu com quatro outros apresentados por Sarney nos anos seguintes. Em 1975, sob o nº 56 e depois o de nº 80, reapresentou mais duas vezes o projeto possibilitando deduções no Imposto de Renda pró cultura. No início de 1980, de novo colocou outros dois projetos similares de números 128 e 138. Todos sistematicamente arquivados sob a alegação de que eram inconstitucionais, porque representavam despesas ou isenções que só poderiam ser criadas através de uma iniciativa exclusiva do Poder Executivo. Cinco anos depois, na Presidência da República, José Sarney tem enfim a oportunidade histórica de finalmente converter o projeto em realidade.

Vitória da Perseverança

Incumbido de dar a versão final ao projeto de lei, o ministro Celso Furtado, à época, ao defender a nova legislação para a cultura, destacou: “Devem-se à perseverança do presidente José Sarney as várias apresentações, ao longo de sucessivas legislaturas, de projetos de lei cuja preocupação principal voltava-se para a democratização da cultura”. Nascimento e Silva, que apesar de não ter trabalhado diretamente com o presidente Sarney - em 1986, advogava para a classe cultural visando a implementação dessa nova legislação -, registrou sua decepção com a extinção da lei Sarney, em 1990, no governo Collor, quatro anos depois de promulgada: “Todos que atuavam como nós na área cultural tínhamos consciência da importância da lei Sarney. Por essa razão, com enorme surpresa e revolta viemos a nos defrontar com sua arbitrária extinção”. Ele discorda do argumento de que a extinção da lei era necessária por conta de supostas irregularidades em seu funcionamento. Avalia que eventuais irregularidades “poderiam e deveriam ser corrigidas por um procedimento sério e sincero de apuração. Nada justificaria a extinção pura e simples de uma legislação que já havia demonstrado sua eficácia e sua função social”. Em sua opinião, o próprio resultado da comissão parlamentar de inquérito instaurado pelo Congresso Nacional que constatou um número irrisório de irregularidades na aplicação da lei, confirmou sua convicção. E, além disso, durante o período de vigência da lei Sarney, foram instaurados apenas dois inquéritos, de valores reduzidos, perante a Receita Federal.  Em ambos não se constatou autos de infração em virtude da Lei. O surpreendente foi que, pouco mais de um ano depois de extinguir a lei Sarney, o mesmo governo Collor reconheceu a importância daquela legislação e recriou a lei de incentivos fiscais culturais – então batizada de Lei Rouanet, em homenagem ao então Ministro da Cultura, o diplomata Sergio Paulo Rouanet. O texto da própria lei, encaminhada e promulgada por Collor, reconhece que ela manteria os princípios que nortearam a lei Sarney, ao constar na sua redação: “restabelece princípios da lei nº 7.505, de 2 de junho de 1986”. Esse fato, para Nascimento e Silva, confirma que “por caminhos truncados e certamente indesejados, seja essa a maior prova da importância e da permanência da lei Sarney”.


Mercado Cultural

A lei Sarney estabelecia uma relação entre poder público e setor privado, onde o primeiro abdicava de parte dos impostos devidos pelo segundo – a chamada renúncia fiscal. Como contrapartida,  o setor privado investiria os recursos  da renúncia  fiscal  em produtos culturais – cinema, teatro, literatura, artes plásticas, patrimônio. A idéia não era apenas estabelecer incentivos à cultura, mas, principalmente,  incentivar aumento de produção  nessa área para criar um mercado nacional das artes.  Assim, a Lei Sarney  inseriu novos atores no setor da cultura e, como conseqüência, inaugurou nova fase para a política cultural no Brasil. O curador do Museu de Arte de São Paulo (MASP), José Teixeira Coelho Netto, avaliou que a Lei Sarney é “uma conquista da sociedade civil, farta de ouvir do Estado o que e como deveria ler, ouvir, cantar, fazer”. E foi além ao afirmar que a Lei 7.505/86  foi um sopro de liberdade nesse cenário. Para Teixeira Coelho a primeira conquista representada pela lei foi a de “permitir à sociedade escolher diretamente o que quer ver produzido. Conquista que não poderá jamais ser esquecida ou diminuída em seu valor simbólico”. Ele lista as razões pelas quais o meio cultural abraçou a então nova lei de incentivo à cultura: a democratização das relações entre a sociedade e o Estado, a maior participação do cidadão nas decisões culturais, a abertura à participação das empresas na construção do universo cultural e a eliminação da dominação cultural. Luiz Roberto Nascimento e Silva reforça os argumentos de Teixeira Coelho considerando que  “com a promulgação da lei, uma série de atividades culturais, que não se realizavam antes,  passaram a ser viáveis”. Para ele o artista e o produtor cultural, pela primeira vez, quando procuravam o empresário não tinham a lhe oferecer apenas a oportunidade de participar do processo cultural, mas concretamente um benefício fiscal em contrapartida. A lei Sarney estabeleceu uma nova relação entre o artista e seu investidor: “as relações não se pautavam mais na simples benemerência ou mecenato puro”, reforça Nascimento e Silva.



Democrática e contemporânea

Nesse mesmo sentido, o então ministro da Cultura do governo Sarney, Celso Furtado, defendeu, ainda em 1986, os méritos da lei: “instaura profundas mudanças, coerente com o regime democrático, nas relações entre a sociedade e o Estado, possibilitando o avanço do esforço coletivo de tomar a iniciativa do projeto cultural, mobilizar recursos para a sua realização e fiscalizar a sua utilização”. Segundo Furtado, a lei Sarney representava passo decisivo para a formulação de uma política cultural abrangente e previa que ela seria “capaz de aliar à preservação da memória do passado às idéias  renovadoras que, enriquecendo nosso presente, comporão as bases da cultura do amanhã”. Endossando os presságios de Furtado, Teixeira Coelho defendeu que aquela primeira lei de incentivo trouxe profundas mudanças nas relações entre a sociedade e o Estado: “a cena cultural é inteiramente outra hoje, e mudou para melhor. Novos, muitos e bons espaços se abriram para as exposições de artistas novos e consagrados, daqui e de fora. Coleções se formam e se preservam em escala nunca vista. A circulação e o consumo da cultura aumentam continuamente. Tudo isso, senão a maior parte disso, saiu das leis de incentivo à ação da iniciativa civil na cultura”. Alberto Freire, mestre em Comunicação e Cultura Contemporânea, considera que a perenidade conceitual da  Lei Sarney  “constituiu-se num importante elemento de reconfiguração das políticas culturais no Brasil e teve reflexo significativo como política de governo para a cultura na década seguinte e na contemporaneidade”.

Saiba mais sobre o governo Sarney no Blog "José Sarney: o presidente da democracia" ou no Blog "Sarney e a transição para a democracia"

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