segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Analistas questionam superávit primário

Para economistas, indicador não mede bem a pressão inflacionária do setor público
Fernando Dantas / O Estado de S.Paulo

O superávit primário, indicador mais importante da política fiscal brasileira desde 1999, está sendo questionado por diversos economistas, que consideram que ele já não é o instrumento ideal para se avaliar o controle das contas públicas. O problema, para eles, é que o superávit primário – que é o resultado das receitas menos as despesas descontadas do pagamento de juros – é útil para avaliar a solvência do setor público, mas não o impacto do governo na demanda da economia, que produz pressões inflacionárias. Como a dívida líquida do setor público caiu de um pico de 62,9% do PIB em setembro de 2002 para 36,5% em dezembro de 2011, muitos analistas consideram que o problema de solvência, isto é, o risco de o governo dar um calote na dívida pública, tornou-se muito pequeno. Já o impacto dos gastos do governo nas pressões inflacionárias é cada vez mais importante. Termômetro precário. O próprio Banco Central (BC), em suas comunicações com o mercado, vem enfatizando que o cumprimento da meta de superávit primário de 3% do PIB ou ligeiramente mais nos próximos anos é um importante alicerce para a redução da Selic, a taxa básica de juros, sem perda do controle inflacionário. O problema, porém, para aqueles economistas, é que o superávit primário é um termômetro precário do impacto do setor público na demanda. “Independentemente de o governo cumprir o primário este ano através de receitas extraordinárias ou utilização de restos a pagar, com certeza o impacto na demanda da política fiscal em 2012 vai ser mais expansionista que em 2011″, prevê Gabriel Leal de Barros, economista do Instituto Brasil de Economia (Ibre) da Fundação Getúlio Vargas (FGV) no Rio. De forma muito simplificada, o governo retira renda da economia, por meio dos tributos, o que reduz a demanda; e, por outro lado, devolve dinheiro à sociedade por meio de consumo, investimento, transferências (que incluem juros da dívida pública) e subsídios. Assim, se o governo devolve mais do que retira, a sua contribuição é positiva para a demanda (e pode pressionar a inflação), e vice-versa. Como os juros da dívida pública estão ligados ao seu tamanho e ao controle da inflação, os analistas consideram que é nas receitas e despesas primárias que o governo pode voluntariamente atuar para ajudar o BC a controlar a demanda. Assim, se o governo aumenta o superávit primário de um ano para o outro, considera-se que está aumentando sua contribuição para o controle da inflação. Se mantém o nível do primário, como diz que fará este ano, está sendo neutro em relação à política monetária. É aí, porém, que surgem complicações. O economista Alexandre Schwartsman, da Schwartsman & Associados, e ex-diretor do BC, nota em recente artigo que “muito da melhora das contas públicas não reflete um aperto fiscal efetivo, mas sim operações bastante controversas, isto para não mencionar ganhos não recorrentes de receitas”. Para calcular o que chama de superávit primário ajustado (para captar o efeito na demanda) dos últimos anos, Schwartsman eliminou receitas de concessões e dividendos, despesas como depósitos no fundo soberano, e tirou da conta toda a operação de capitalização da Petrobrás de 2010. No Ibre, Barros e Samuel Pessôa (que também é sócio da consultoria Tendências) vêm fazendo um estudo aprofundado das contas públicas e do seu impacto na demanda da economia. Uma primeira questão a ser abordada, eles observam, são os juros da dívida pública, que são uma renda e, portanto, estimulam o consumo. Mas não basta simplesmente contabilizar toda a conta de juros pagos, como se faz no resultado fiscal nominal (que, ao contrário do primário, inclui os juros). Subsídios. Os impostos sobre as aplicações em títulos públicos, por exemplo, retiram dinheiro da economia e diminuem o efeito fiscal dos juros na demanda. Além disso, os economistas acham que os juros devem ser considerados pela taxa real, descontada a inflação. Afinal, se um aplicador gastar todo o juro nominal da aplicação, estará indo além da sua renda e, na verdade, estará reduzindo o seu capital, o que equivale a despoupar. Outra questão relevante nos juros envolve operações como os empréstimos do Tesouro ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). O pagamento de juros pelo banco de fomento ao Tesouro retira recursos da economia, mas os juros pagos pelo Tesouro ao público para captar o dinheiro repassado ao BNDES estimulam a demanda. Como a captação do Tesouro se dá pela Selic, mais alta que a TJLP paga pelo BNDES, a operação como um todo aumenta a demanda. Outro problema a ser abordado por um indicador de impacto do setor público na demanda são os subsídios diretos do Tesouro, como para o Minha Casa Minha Vida, o crédito rural e até para linhas do próprio BNDES, como o Programa de Sustentação do Investimento (PSI). O problema aí é de timing: a partir do momento em que o pagamento do subsídio é liquidado (reconhecido) pelo Tesouro, as instituições financeiras oficiais liberam os créditos para os diversos programas, e a demanda sofre um impacto positivo. No resultado primário, porém, a operação só entra quando o Tesouro efetivamente paga o subsídio. Nos últimos anos, esse cronograma de pagamentos tem sido defasado da liquidação, e muito arbitrário. Com isso, o resultado primário descola-se do impacto na demanda. Um efeito semelhante ao do subsídio pode ocorrer com os restos a pagar, quando o governo passa de um ano para o outro a liquidação ou o pagamento de despesas orçamentárias empenhadas no ano anterior. Mas as dificuldades de se medir as pressões inflacionárias das contas públicas não param por aí. Receitas de concessões e privatizações, por exemplo, não são consideradas redutores da demanda, mesmo sendo um dinheiro que sai do setor privado para o governo. A questão aí é que não se trata de um tributo sobre a renda, mas sim de uma troca de ativos entre o setor privado e o público: o primeiro recebe um ativo fixo em troca de recursos financeiros, e vice-versa. Para os economistas do Ibre, o pagamento de dividendos por empresas públicas ao Tesouro afeta negativamente a demanda, porque reduz a renda. Já o adiantamento de dividendos futuros é descartado, porque se refere a uma renda ainda não existente.

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