segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

José Sarney

Os amigos do Agenor

Amizade fiel tem o Agenor. Há 30 anos, algumas figuras austeras e outras mais alegres se reúnem para durante o Carnaval homenagear o Agenor. Ele é o menos carnavalesco ser que pode existir. Não bebe, não fuma, não dança nem pula. E nem sabe o que é o Carnaval, seus simbolismos, suas dimensões e o que acontece fora de sua roda. Mas, em solidariedade pela sua solidão, em torno dele é tudo alegria e homenagem: viva o Agenor, salve o Agenor, e marchas e músicas em homenagem ao Agenor. Eu, este ano, ao sair da casa que foi de minha sogra, na Rua do Passeio, ia atravessar a Rua de Santana e o que encontrei: aquela multidão fantasiada numa grande explosão de alegria, e então me disseram que era o famoso bloco "Os amigos do Agenor" e me levaram a conhecer o Agenor. Ele estava ali, passivo, cabeça baixa, todo enfeitado, esperando a hora de entrar no circuito da Rua do Passeio, por onde desfilavam todos os blocos, pulando e cantando, e nessa exata hora "Eu conheço um gaguinho/ que gagueja demais?....", do nosso genial compositor Bulcão, que conhece todas as coisas que alegram e fazem a alegria da cultura popular maranhense. Agenor parecia acordar, todos o incentivavam a entrar na gandaia e ele, passivo, ia entrando, acompanhado dos provectos Buzar e José Jorge. Quando olhei para trás, o Agenor estava envolvido pelos foliões e por milagre desaparecia em meio à algazarra para se ver somente as cores e os requebros dos foliões "amigos" e por eles encoberto, o alegre e triste Agenor. Foi então que se deu o bode. Um fanático membro da Sociedade Protetora dos Animais, num caixote que trouxera, subiu e iniciou um discurso exaltado de protesto: "Quero, em nome da caridade e contra a maldade, falar pelo Agenor. Eu sou o Agenor para falar para vocês! Eu - não se sabia aí quem era, se um homem revoltado ou um Agenor injustiçado -, "Eu!", "Eu!", "Eu!", repetia, "não posso falar, mas posso protestar, sou animal, mas sou criatura e não posso ser tratado assim. É uma crueldade, é uma iniquidade para os animais serem explorados dessa maneira. Há mais de três dias e há mais de 30 anos, me submetem a essa humilhação: ouvir trombone tocando no meu ouvido, passando fome e me submetendo a esse sofrimento". Foi aí que um líder dos "Amigos do Agenor" saiu para agredi-lo: - "Cala a boca, burro!". Respondeu: "Melhor ser burro, animal, do que homem, esse homem cruel que você é, perseguindo o pobre animal indefeso". O pau cantou. Avançaram sobre o pobre ativista e aplicaram-lhe uma boa sova. E Agenor não protestou nem agradeceu. Foi entrando na Avenida, já então com a marchinha "É gostosa, é gostosa...". Quem é o Agenor? Um jumento tradicional que alegra o Carnaval do Maranhão. Minha solidariedade ao Agenor, que gosta de Carnaval e apenas se queixa de não ter uma enfeitada jumenta ao seu lado...

José Sarney foi governador, deputado e senador pelo Maranhão, presidente da República, senador do Amapá por três mandatos consecutivos, presidente do Senado Federal por três vezes. Tudo isso, sempre eleito. São 55 anos de vida pública. É também acadêmico da Academia Brasileira de Letras (desde 1981) e da Academia das Ciências de Lisboa
jose-sarney@uol.com.br

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