segunda-feira, 28 de maio de 2012

Paulo Brossard

Agressividade e passividade

Há temas sobre os quais se escreve com prazer e outros nem tanto, a despeito de sua importância; pois é com real desprazer que me ocupo das atuais condições adotadas pela Argentina em desfavor do Brasil, em matéria de tráfico. É de toda evidência que elas não primam pela racionalidade, embora sejam induvidosos os interesses de ambas as nações ligadas pela geografia e pela história; a complementaridade de suas economias é incontroversa; particularmente no Rio Grande do Sul em verdade, mercê de ações e omissões, a vizinha tem embaraçado o comércio entre elas, com uma assiduidade e extensão que não pode ser vista como ocasional, como o abandono das autorizações automáticas para importação, regular em zona de livre comércio e união aduaneira; a demora das licenças muito além dos 60 dias previstos pela Organização Mundial do Comércio; os embaraços generalizados para a importação de produtos brasileiros, como máquinas agrícolas, eletrodomésticos, tecidos, calçados, roupas, entre outros bens, atingindo diretamente o tradicional comércio argentino-brasileiro.
É óbvio que ninguém vai desejar ou sugerir que os diplomatas passem a usar espada à cinta quando se tratar de problemas rio-platenses, mas a agressividade de um lado e a doçura de outro entraram a causar mal-estar em setores significativos da área brasileira. Com efeito, um dos mais antigos e respeitáveis órgãos da nossa imprensa, que tradicionalmente dedica particular atenção à política internacional, chegou a referir-se "à passividade e mansidão do Itamaraty", para notar "quando já não pode disfarçar sua escalada passividade, autoridades brasileiras decidiram impor alguns obstáculos a produtos argentinos. Agora (após reunião com o ministro do Comércio Interior argentino, em Brasília), agora se comprometeu a eliminá-los em troca da supressão de barreiras à carne suína. É mais uma rendição". E prosseguiu, "cada capitulação da diplomacia brasileira estimula a manutenção do protecionismo argentino e, mais do que isso, a ampliação das barreiras. O governo tem cedido em tudo... sempre com novas cláusulas a favor dos vizinhos".
Embora tivesse mais a dizer a respeito do assunto, como gostaria de fazer, lembrando episódio que mostra a ancianidade da posição brasileira em relação a problemas da nossa vizinha, limitar-me-ei a recordar que quando a Inglaterra se apossou das Ilhas Malvinas em 1833, ou seja, no começo da Regência, dois anos depois da abdicação de Pedro I e Pedro II ainda criança, o Brasil tomou posição em favor da Argentina e até hoje, em todas as emergências, inclusive na recente "guerra das Malvinas", foi coerente com os antecedentes de sua política externa. Dir-se-á que nas relações internacionais não há ou pouco espaço existe para a amizade, mas nunca é demais render tributo a esse sentimento, reservando alguns títulos, "que podem ter voto decisivo na assembleia dos acontecimentos", para lembrar a pérola machadiana.
Fico por aqui, até porque desse assunto pouco entendo e já foi dito que entre o céu e a terra há mais coisas do que imaginam os pretensiosos bichos da terra. Mas as preocupações ficaram enunciadas e não custa lembrar que os meios de comunicação argentinos foram atropelados brutalmente, e aqui não falta quem queira suprimir sua liberdade mediante o "marco regulatório da comunicação"... Diante desse quadro, brevissimamente esboçado, não seria de perguntar-se o que resta do Mercosul que os presidentes Alfonsín e
Sarney conceberam e tudo fizeram para torná-lo sólida realidade?


Paulo Brossard é jurista gaúcho, ex-deputado, ex-senador, consultor-geral da República e ministro da Justiça no goveno Sarney. É ministro aposentado do STF.

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