quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

José Sarney


José Sarney comenta o livro Getúlio, Por Lira Neto, que traça uma biografia detalhada.

Lira Neto é o que acaba de ser proibido: um historiador sem formação acadêmica de historiador. Mas o historiador e jornalista Lira Neto começa a publicação de uma trilogia que desde já está destinada a marcar a historiografia brasileira: Getúlio. O primeiro volume, Dos anos de formação à conquista do poder — 1882¬ – 1930, é um trabalho notável, que preenche uma lacuna, pois a grande bibliografia existente sobre o político gaúcho não compreende um estudo detalhado e imparcial que aborde tanto aspectos políticos quanto pessoais. Com lastro substancial de fontes primárias e trabalhos acadêmicos, Lira Neto revela o personagem que dominou a política brasileira durante um quarto de século. A leitura é leve e agradável, mas a solidez da pesquisa ergue um retrato nítido de um homem que repete que “vencer é adaptar-se”, e esclarece: “condicionando-se ao meio, apreender as forças ambientes, para dominá-lo”, ou “tomar a coloração do ambiente para melhor lutar”. Esse preceito o leva ao jogo duplo, mesmo com os companheiros mais próximos desses anos de conquista do poder, Oswaldo Aranha e João Neves da Fontoura, para não falar de Borges de Medeiros e Washington Luís. Sua determinação vacila ou é tudo questão de esperar — com competência — a ocasião?
O livro tem inúmeras revelações preciosas, mas um dos pontos que me chama a atenção é a obsessão dele, desde moço, com o caminho do suicídio. É verdade que ele tem o exemplo do sogro, mas as manifestações sobre “o sacrifício da vida” como meio de “resgatar o erro de um fracasso” ou “é o meu dever, decidido a não regressar vivo ao Rio Grande, se não for vencedor” são marcantes.
Filho de um estancieiro rico e chefe formado na tradição da degola que vigorava na fronteira com o Uruguai, não é certo que Getúlio tenha participado do crime de Ouro Preto, que nunca negou ou confirmou. Já quanto ao assassinato de um índio, acusação levantada por Carlos Lacerda, Lira Neto demonstra tratar-se de um (quase) homônimo. No entanto, ele certamente é herdeiro dessa tradição de violência.
Essa visão se completa no final, quanto Getúlio Vargas, sentindo-se sem confiança em nossas forças institucionais, que tinham o dever de guardá-lo como Presidente, volta a recrutar a sua guarda pessoal de São Borja, na qual ele teria toda confiança, sem mesmo dispensar a proteção familiar, como na escolha do seu irmão, Benjamin, para Chefe de Polícia naqueles últimos dias.
Acredito que a bala que atravessou o peito de Getúlio foi a mais trágica construção política para que fosse atingido não só o coração dele, mas também o coração da UDN e da Oposição da sua época. Na minha crença — mas também vejo nessa afirmação um pouco de antigetulismo — a morte trágica deifica os estadistas. Isso ocorreu com Getúlio Vargas, uma vez que é por meio desse gesto que ele consegue recuperar a sua imagem, como disse na carta, com noção perfeita do que se passava: “Saio da vida para entrar na História”, afirmação que nos dá margem a interpretar que ele mesmo sabia que já estava saindo da História.
O livro de Lira Neto deu-me a compreensão maior dessa personalidade. O episódio do Osvaldo Aranha, descobrindo, no trem para Irapuazinho, quando ia em missão a Borges de Medeiros, que estava sendo manipulado, pois havia outro agente com mensagem oposta, mostra a alma de Vargas.

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