segunda-feira, 11 de novembro de 2013

Em audiência na CAE, debatedores dizem que quem paga a dívida pública é a sociedade

Tércio Ribas Torres
Quem arca com o peso da dívida pública é a sociedade e o maior beneficiário do endividamento público é o sistema financeiro. A afirmação foi feita pela coordenadora nacional da Auditoria Cidadã da Dívida, Maria Lúcia Fattorelli, em audiência pública realizada pela Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) na noite desta segunda-feira (11).
Maria Lúcia explicou que a Auditoria Cidadã da Dívida é uma associação civil, sem fins lucrativos, que busca auditar e debater a realidade das dívidas públicas. Ela disse que a dívida pública é um sistema e não pode ser vista de forma isolada, pois é “um mecanismo de subtração de recursos” de estados e municípios.
A presidente da Auditoria Cidadã também criticou a transparência dos documentos das dívidas públicas. Ela presenteou os senadores presentes na audiência com o livro Auditoria da Dívida Cidadã dos Estados, um estudo sobre todas as resoluções do Senado sobre o assunto, desde o início da década de 1970 até a década de 1980. Segundo o livro, a imensa maioria das resoluções não mostra quem foi o agente emprestador e nem a finalidade dos empréstimos. Ela explicou que as dívidas cresceram muito na década de 1990, por conta dos juros altos praticados pelo governo federal.
- Essa conta foi transferida para a sociedade e está sendo paga religiosamente pelo cidadão – afirmou Maria Lúcia, que elogiou a iniciativa do Senado de realizar uma audiência pública para ouvir a sociedade civil.
Serviços públicos
O presidente da Federação Nacional das Entidades dos Servidores dos Tribunais de Contas do Brasil, Amauri Perusso, lembrou que há mais de uma década o Congresso Nacional não vem julgando as contas do presidente da República – o que tornaria inútil esse trabalho do Tribunal de Contas da União (TCU). Perusso ressaltou que os tribunais de contas são responsáveis pela análise das contas dos governos, inclusive sobre a realidade das dívidas.
Perusso cobrou a retroatividade do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) nas dívidas com a União – hoje, as dívidas são indexadas pelo Índice Geral de Preços - Disponibilidade Interna (IGP-DI). A mudança do índice pode representar uma queda de até 50% nos juros. Ele ainda pediu o expurgo de todo juro, pois “a União não pode ter lucro sobre estados e municípios”.
De acordo com Perusso, há muito tempo o endividamento deixou de ser um instrumento de crescimento dos estados e passou a ser um instrumento do sistema financeiro. Com base em uma auditoria do Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul (TCE-RS), Perusso informou que o estado gaúcho renegociou sua dívida de R$ 9,5 bilhões com a União em 1998. A auditoria mostra que até 2012 o estado pagou R$ 17 bilhões e ainda deve R$ 43 bilhões.
- Qual o serviço público deixará de ser prestado para se pagar a dívida? – questionou.
A coordenadora do Núcleo da Auditoria Cidadã da Dívida em Minas Gerais, Eulália Alvarenga, disse que o modus operandi da dívida se repete em todos os estados. Ela informou que os passivos registrados em empresas que já pertenceram ao estado, como o Banco do Estado de Minas Gerais (Bemge) e as Centrais Elétricas de Minas Gerais (Cemig), foram repassados aos cofres públicos.
Eulália lembrou que em 1999, o então governador mineiro, Itamar Franco, chegou a declarar moratória à União. Os juros muito altos, a necessidade de uma auditoria na dívida mineira e a diferença de tratamento entre estados eram os argumentos de Itamar à época. Eulália ainda criticou muitos órgãos de imprensa que na época trataram a moratória como calote.
- Minas não quer calote. A gente quer pagar a dívida se ela for legal e legítima – disse Eulália, que ressaltou que Minas gasta mais com a dívida do que com saúde, educação e transporte.
A coordenadora do Núcleo da Auditoria Cidadã da Dívida em São Paulo, Carmen Bressane, apresentou a realidade da dívida da capital paulista. Segundo Carmen, 90% da dívida de São Paulo é com a União. Ela também acredita que a dívida termina sendo paga pelos cidadãos e criticou o projeto de lei da Câmara (PLC) 238/2013 – que trata de incentivos fiscais e mudanças na Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei 101/2000). Para Carmen, o projeto não representa avanços no debate sobre a dívida pública.
- Peço que aqui no Senado possam ver essa situação tão cruel com o povo brasileiro – pediu a coordenadora.
Direitos e cidadania
O presidente do Comitê pela Anulação da Dívida do Terceiro Mundo, Eric Toussaint, elogiou as recentes manifestações populares no Brasil. Para Toussaint, os protestos trazem um questionamento sobre o uso correto do dinheiro público – comparando gastos com eventos esportivos e serviços públicos como saúde e educação. Esse questionamento inclui, segundo Toussaint, um inevitável debate sobre a dívida pública.
- Temos que resistir, com base em direitos internacionais e internos, para garantir a satisfação dos direitos humanos – declarou.
Para o vice-presidente da Federação Brasileira das Associações de Fiscais de Tributos Estaduais (Febrafite), Lirando de Azevedo Jacundá, uma das maiores dívidas do país é a questão do desperdício – recorrente em obras públicas. Lirando ainda criticou os "contratos leoninos” que comprometem as finanças dos estados. Para o economista do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) Waldery Rodrigues Júnior, é preciso discutir a dívida pública com base em duas premissas: auditoria e cidadania. Ele entende que o poder público deve oferecer mais informações para a sociedade sobre a dívida pública de cada ente federado.
- Isso faz parte da maturidade democrática de um país. Afinal, o dinheiro é público – argumentou Waldery.
O senador Cristovam Buarque (PDT-DF), que presidiu a audiência, disse que a maior dívida dos estados e municípios é o analfabetismo, mas admitiu a importância de debater a dívida financeira. Cristovam foi um dos que assinaram o requerimento para a realização da audiência, ao lado dos senadores Randolfe Rodrigues (PSOL-AP) e Eduardo Suplicy (PT-SP).
Para o senador paulista, quando os estados e municípios tiverem que gastar menos com a dívida, vai sobrar mais dinheiro para investir em saúde, educação e segurança. Ele ainda disse esperar que, assim, sobrem recursos para o Brasil implementar o programa renda básica de cidadania.
Segundo o senador Luiz Henrique (PMDB-SC), os argumentos apresentados pelos debatedores formam um importante subsídio para o trabalho da CAE. Ele criticou a pouca autonomia dos estados na questão fiscal e disse que a dívida pública traz a discussão sobre um novo arranjo para o pacto federativo. Para Luiz Henrique, o debate sobre a descentralização das decisões no país é uma questão urgente.
- Não temos um país pequeno, mas um continente cheio de diversidades. Temos um continente que é pensado em Brasília. Mas Brasília não conhece os brasis – lamentou.
Agência Senado

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